ATEUS ENSINAM SUAS CRIANÇAS QUE DEUS É UM AMIGO IMAGINÁRIO, ESPECIALISTAS DISCORDAM.

18/04/2014 23:09

Estudo mostra que até 65% das crianças têm um amigo imaginário, mas amigo imaginário é um assunto, Deus é outro.

 São José do Rio Preto, 22 de Janeiro, 2014 - 1:40 - Juliana Ribeiro

Seu filho insiste em conversar com um amigo que você não vê? Fique tranquilo. Não é alucinação, apenas uma criança usando a imaginação. Uma pesquisa do Instituto da Educação em Londres descobriu que cerca de 65% das crianças tiveram amigos imaginários. A pesquisa revelou ainda que esses amigos invisíveis tornam as crianças mais confiantes e articuladas. “Não há necessidade de pânico. Muitas crianças têm amigo imaginário, não sendo necessariamente algo anormal, patológico. As causas são diversas e podem ser analisadas caso a caso. Geralmente, este fato ocorre perto dos 4 anos e alguns especialistas relacionam com a fase de desenvolvimento da criança. Geralmente, este é o momento da vida em que ela precisa se desligar dos pais e interpreta esta situação como um abandono. A duração deste processo varia para cada criança”, diz Silvia Gonçalves, psicóloga da unidade Jabaquara do Hospital São Luiz, em São Paulo.

Ainda de acordo com Cynthia Boscovich, psicóloga clínica, psicanalista e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana, ter um amigo imaginário é normal e bastante comum. Principalmente crianças que têm uma imaginação mais fértil. “Na maioria dos casos, é algo saudável. A criança cria esse amigo imaginário para dar conta do imaginário dela. Cada criança tem um período de duração, mas se aos 7, 8 anos ela ainda insistir nesse amigo, ou se o amigo

tomar mais tempo da criança do que o mundo real, aí os pais devem procurar ajuda de especialistas”, diz.

Diálogo interior

Amigos imaginários costumam surgir assim que passamos a ter algum domínio da linguagem oral. A criança desata a falar consigo mesma, passa a cantar... É como se o som de sua voz a fizesse bem, com isso, organiza pensamentos e algumas vezes cria esses amigos para o que o diálogo fique mais claro. Filhos únicos e primogênitos são mais propensos a esse tipo de comportamento, já que passam mais tempo sem companhia da mesma faixa etária.

Mãe de Sofia Sciarra Albuquerque, de 6 anos, a auxiliar administrativa Bianca Sciarra conta que, por ser filha única, na infância também teve amigo imaginário, então, quando Sofia apareceu falando com uma amiga imaginária, não achou estranho. “Assim como a Sofia eu sou filha única e não criei apenas um amigo imaginário, eu criei a família toda. Tinha mãe, pai, irmãos, eu conversava com todos eles. Então, quando Sofia falou a primeira vez sobre 'a Rose', não achei nada estranho”, conta.

Aos 3 anos, a pequena Sofia assistiu ao desenho infantil “Caillou”, em que o personagem principal tinha uma irmã chamada Rose. “Depois que ela viu esse desenho, ela começou a falar da Rose. Isso durou um ano, mas da mesma maneira que veio foi embora. Eu não incentivava o diálogo, mas também nunca puni dizendo que aquilo não existia”, explica Bianca.

A psicóloga Mara Lúcia Madureira, de Rio Preto, diz que não há motivos para se preocupar. “Os pais devem agir com naturalidade. Compreender que amigos imaginários, fadas, duendes, sacis, coelho da páscoa, vampiros e anjos povoam a imaginação humana desde sempre. São elaborações sublimes do pensamento criativo e comportamentos lúdicos para encantar a realidade”, explica.

Pensar, sonhar, fantasiar e inventar é parte do desenvolvimento neurológico e psíquico, lembra a especialista. “Toda realização, antes de existir, era uma ideia, um sonho, uma divagação. Os pais podem interagir, respeitar o lugar do amigo à mesa, mas tudo com absoluta ponderação. Devem apreciar sem repreender as crianças e sem fomentar a experiência que é da criança, não dos adultos”, diz.

Outro alerta importante, dado por Silvia Gonçalves, é que na maioria das vezes a criança acredita na existência deste amigo. Insistir com a criança de que este amigo não existe pode ser uma tentativa fracassada.

Amigos com benefícios

Antes de sair brigando com seu filho pelo fato dele insistir em dizer que esse amigo existe, preste bem atenção na opinião de alguns especialistas.

Roberto Andersen, educador brasileiro membro da Academia de Ciências de Nova York, adverte que limitar a imaginação (o que inclui dizer “acabou esse tal de amigo imaginário!”) é um incentivo ao déficit de atenção, déficit de cognição e memória parcial.

Freud, pai da psicanálise, e Piaget, papa da pedagogia, também defendiam que, por via das dúvidas, era melhor que o companheiro invisível participasse do jantar. O trabalho dos psicólogos Evan Kidd e Anna Roby, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, sugere que a criança e o amigo trabalham melhor em equipe. É como se a criança quisesse dar um bom exemplo ao amigo imaginário na hora em que lembra ao pai que a TV está ligada ou que a vovó ligou.

A dupla de pesquisadores acredita que os amigos imaginários são como terapeutas, que dão ao pequeno egocêntrico uma nova perspectiva da mesma situação que, antes, passaria batido. Fique atento se essa dupla dinâmica extrapolar os limites. Por exemplo, a criança passa a culpar o amigo pelas coisas que ela sabe que fez errado, como dizer palavrões, bater nos amigos, não tomar banho, etc.

“Teve uma vez que eu pedi para a Sofia vir escovar os dentes, uma coisa que ela não gostava de fazer, então ela olhou para mim e disse: ‘Mamãe, sabe o que a Rose diz para a mãe dela quando tem que escovar os dentes? Cala a boca, sua cabeça de alho.’ Nisso eu segurei o riso e começou a sair lágrimas dos meus olhos. Ai ela virou e falou assim: ‘Mamãe, me desculpa, quem diz isso é a Rose, eu vou escovar os dentes’”, relembra, rindo, a mãe rio-pretense Bianca Sciarra. Colocar a culpa no amigo é mais comum do que se possa imaginar. “Os pais devem mostrar que o erro é coisa da realidade. Deixar claro que a criança tem que assumir seus erros,

 mesmo que para isso seja preciso dar bronca no amigo imaginário”, afirma a psicóloga Cynthia Boscovich.

 

 

 

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